quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Como todo bom mineiro


Todo o ano é a mesma coisa e você nem queria dizer que não. Eu sei o que estou falando. Mineiro que é mineiro de verdade espera ansioso pelo verão. São 11 meses árduos de trabalho, ralação, salários atrasados, problemas diversos e outras encrencas. Tudo isso levamos numa boa somente para esperar o dia de partimos para o litoral. Aqui não tem praia e o desejo inconsolável para se esbaldar em frente ao mar é avassalador. Neguinho fica o ano inteiro sem sair, sem gastar, sem comer, apenas para juntar uns trocados e pagar uma excursão para o Espírito Santo. Foda-se as contas pendentes, o negócio é voltar com uma marquinha de sol e um tererê no cabelo. É a coisa mais brega, mas é a pura verdade (risos).

Depois de 6 longos anos sem ir à praia, arrumei um feriado prolongado na última hora (milagres acontecem) e em um ato rebelde resolvi largar o mar de concreto e salgar o meu lindo glúteo na água salgado. Eu sou branco por natureza, mas confesso que nesses últimos dias eu já me considerava transparente. Muita gente chegou a imaginar que eu estava doente, mas o fato é que 78 meses dentro de um apartamento não faz bem a ninguém. Minha namorada foi quem deu a brilhante idéia e antes mesmo de concluir o seu pensamento eu já tinha concordado e comecei a arrumar as malas. Isso me fez um pouco de mal, porque a partir desse momento eu não consegui pensar em mais nada. Só falava na viagem e mesmo aqui em Minas eu já sentia o cheiro da maresia. A viagem foi marcada tão de sopetão que nem deu tempo de chamar algum amigo ou conhecido e lhe confesso que isso foi muito bom, pois eu precisava viajar sozinho com minha namorada, conversar um pouco e colocar a cabeça no lugar.

Combinamos de sair de Minas em direção ao mar às cinco da matina, mas uma chuva estrondosa desabava sobre os céus da minha cidade natal e atrasamos alguns minutos, que para mim eram preciosos. Pensei: Alegria de pobre dura pouco. Espero 6 anos por isso e agora o mundo resolve acabar em água? PQP. Comprei todas as guloseimas para a viagem, separei os melhores cd´s que eu tenho, lavei o carro impecavelmente, levei o possante para a revisão e agora vou pegar chuva? Era o que me faltava.

Mas como eu já havia prometido a mim mesmo que nada iria me tirar do sério, eu resolvi não absorver a ira do tempo e liguei o foda-se. Eu estava indo para descansar e nem a chuva me impediria de tomar minha cerveja gelada de frente para o mar.

Ahhhhh, esqueci de falar qual era o meu destino. Como todo bom mineiro eu estava indo para Guarapari-ES. Apesar de todo mundo ir para lá eu até então não conhecia o lugar. Confesso que eu não sabia se sentia vergonha ou superioridade de não conhecer “A Praia de Minas”. Mas tive boas surpresas naquele território praiano.


Pegando a Rodovia Federal, enormes crateras me receberam de braços aberto, em cada buraco havia um carro parado. Talvez a intenção seja reduzir o número de visitantes ao Espírito Santo, uma vez que a mineirada faz uma bagunça infernal. Essa foi a única explicação que eu encontrei, porque eu pago o IPVA todo ano (e já está chegando mais um) e falta de dinheiro para arrumar a BR não pode ser. Mas graças a Deus eu não caí em nenhum e podemos considerar isso um milagre. Apesar da chuva intensa que ainda continuava eu consegui chegar são e salvo. Muitos motoristas roda-dura tentaram me tirar da estrada, mas não foi dessa vez. Eu estava com o pensamento fixo no litoral e chegaria lá de qualquer jeito. Comi todas as porcarias que comprei na estrada, tirei milhares de fotos nos restaurantes de beira de estrada e o visual era o mesmo. Cinza, chuvoso e muita neblina. A vontade de chorar de raiva me apertava a garganta a todo instante, mas minhas energias positivas estavam varrendo as nuvens negras para outro lugar. Já no Estado do Espírito Santo perguntei a um nativo como estava o tempo nesses últimos dias e ele me respondeu com um sorriso nos olhos que há 15 dias não parava de chover e a previsão era de mais chuva nos próximos 10 dias. FODEU!!! Foi o que eu falei para a minha namorada, co-piloto, guia e outras coisas (ela foi a companhia perfeita). Agora eu tinha a certeza que não veria o sol. Só podia ser praga de algum invejoso. Pobre quando não vai a praia, seca os que vão. Malditos.

Vi que o movimento na estrada era intenso no sentido para o litoral e nem quis saber da chuva. Liguei o meu carango e segui viagem. Por incrível que pareça uma abertura surgiu no céu e uma luz fraca começou dar o ar da graça. Meu santo é forte. A alegria foi geral, pelo menos no meu carro e acredito que nos demais também. Até foto da inusitada cena nós tiramos, era um milagre. Tudo que o nativo tinha dito há uns 15 minutos atrás estava indo ralo abaixo. E realmente a chuva foi embora, parei o carro e começamos a dançar. Festejar a energia solar que iria restabelecer a nossa alegria.

Chegando em Guarapari me deparei com uma situação corriqueira. Eu precisava chegar a casa que iríamos ficar, mas nenhuma placa indicava o local. No Brasil isso é super natural. O turista tem que adivinhar onde é. Acho que também não é por maldade ou falta de estrutura, mas essa situação deve ser para estimular o convívio social, a interação, a conquista de novos amigos, a comunicação. Se você não acha o lugar desejado, o mais correto é parar e tentar se informar com alguém que conhece. Isso estimula a troca de informações e o contato. O Brasil é um país diferente, acolhedor, receptivo, não é verdade? Parei em vários locais diferentes para perguntar como eu iria chegar ao local desejado e minha ânsia por uma cerveja gelada era ainda maior.


Todo mundo estava de biquíni e sunga. Achei estranho no começo, eu já tinha me esquecido como era o clima de praia. Fui seguindo beira-mar até me aportar na casa onde eu passaria meus próximos 7 dias. O lugar era maravilhoso e uma completa infraestrutura estava esperando por mim. Piscina, sauna, área para churrasco, fogão a lenha. Tudo que eu precisava para ficar ainda mais feliz tinha lá. Já sabia que sóbrio era um estado que eu não ficaria nessa semana. Isso sem falar na galera que morava na casa e algumas outras visitas. Uma família muito acolhedora e alegre.

Nem reconheci o ambiente direito e já me chamaram para ir a um quiosque onde havia uma música ao vivo. Isso foi a mesma coisa que jogar o sapo na água. Mas a chuva voltou a cair. Nesse momento eu não estava nem aí. O barzinho estava lotado e mesmo molhados a moçada não deixava a animação cair. A música seguia em um ritmo frenético na mesma intensidade que a cerveja descia garganta abaixo. Até uma palinha eu dei no quiosque cantando uma música do Capital Inicial. Parece que todos gostaram, porque bateram muitas palmas logo que acabei. Será que eles ficaram satisfeitos pelo fim do martírio. Será que canto mal assim? Eu nem quis pensar nisso (risos), tava bão demais. Lá pelas tantas fomos embora sem saber onde eu estava. Ainda bem que alguns amigos me guiaram até a minha morada. Logo no primeiro dia eu já coloquei o pé na jaca. E mesmo antes de terminar aquela noite eu já estava pensando no dia seguinte. Afinal de contas eu ainda não tinha caído no mar. Amanhã seria o grande dia.


Acordei às 5 e 20 da manhã só para ver se a chuva tinha parado. Novamente encontrei um espaço aberto entre as nuvens e despertei minha namorada para comemorar comigo. Ela perguntou se eu era louco e me mandou dormir, mas logo começou a rir da situação. Fiquei enrolando até dar umas 6 horas e não agüentei mais. Levantei e comecei a me preparar para a celebração. Cair no mar depois de 6 anos pode se considerar um momento sublime. Me lambusei de protetor solar, tomei um café reforçado e segui para o mar como uma tartaruga depois de botar os ovos na areia da praia. Escolhemos o melhor quiosque e começamos. Garçom desce uma, outra, mais uma, duas, espetinho por favor, água de coco, camarão, peixe... eu parecia um menino no litoral. Comi de tudo. O calor foi apertando e pensei mil vezes antes de tirar a blusa. Todo mundo morenino e eu branco como uma cera. Fiquei sem graça, mas quer saber, para ficar morenino como eles eu vou ter que começar agora. Daqui a alguns dias eu ir estar na cor do pecado. Olho só: o mar a minha frente, uma cerveja e uma ótima companhia. Para que eu iria me preocupar? Tudo estava perfeitamente no lugar. Paz total.

Isso foi até começar a passar os famosos vendedores ambulantes. Vai um camarão aí chefe? Uma canga? Uma bolsa senhora? Uma tatuagem? Óculos aí dôtor? PQP só me faltava essa. Eu já não me lembrava disso. Até gente pedindo esmola eu vi. Até onde eu me lembre na praia tem sempre um querendo vender alguma coisa para ganhar dinheiro e não alguém querendo dinheiro sem trabalhar. Essa nova modalidade me assuntou. A mulher que me pediu esmola escutou algumas verdades que eu disse e ela me mandou enfurecida para o quinto dos infernos. Não sei onde fica, mas mais quente que ali onde estávamos não poderia ser. Então pedi o garçom para descer mais uma gelada. Eu quero me refrescar.


Fui dar o meu primeiro mergulho. Antes desse acontecimento tirei umas fotos para guardar de recordação. Viva a era digital, cheguei em Minas com umas 500 fotos. Pronto, mergulhei. Tudo estava indo bem até que vejo uma criança gritando SOCORROOOOOOOOOOO. Eu já estava no grau e nem dei muita confiança, imaginei que deveria ser um moleque querendo aparecer. Sempre tem os engraçadinhos querendo chamar a atenção dos pais. Mas os gritos continuaram e eu fique pensando. Será que ele está afogando ou será que é brincadeira? Se eu fosse socorrê-lo e me deparasse com uma piadinha de mau gosto, eu juro que iria enfiar a cabeça do moleque debaixo da água e só tiraria quando as borbolhas parassem de sair. Por isso, preferi não ir ajudá-lo. Eu poderia ser preso e minha alegria acabaria. Mas uma mulher veio desesperada e o salvou. Não é que o pivete estava afogando mesmo? Fiquei com um peso na consciência e por um instante imaginei que se ele morresse ali a poucos metros de mim, seria o fim das minhas pequenas férias. A partir desse episódio fiquei mais esperto aos fatos que ocorriam ali naquela areia. Tinha muito nego bobo (risos). Isso sem me excluir é claro.


Apesar desses fatos interessantes e engraçados, eu fiquei muito surpreso com as praias de Guarapari e de toda a região. São lindas e, diferente do que todos dizem, são muito organizadas. Lógico que tem um pouco de poluição que os turistas mal educados deixam, além da farofada, mas a prefeitura faz um belo trabalho de limpeza. O som alto nos carro é proibido e bagunça até de madrugada tem limite. Guarapari é hoje uma das praias mais lindas do Espírito Santo, mas quem vai apenas para ficar na praia do Morro não sabe o que está perdendo. Existem praias mais afastadas onde o número de turistas é bem inferior. Locais ideais para levar a família. Fiquei 7 dias por lá e aproveitei muito. São momentos que jamais esquecerei. Encontramos nossos velhos amigos e fizemos novas amizades também. Final da história: tomei milhares de litros de cerveja, comi muito, tirei milhões de fotos, fiz várias amizades, chorei preços com todos os vendedores ambulantes, falei igual pobre na chuva, fiz muita palhaçada, toquei violão até as pontas dos dedos ficarem na carne viva, namorei bastante e fiquei com a testa ardendo. Tudo do jeito que tem que ser, na medida exata.


Até mais Guarapari, eu volto se Deus quiser. Obrigado a todos que me receberam nesse lugar encantado. O povo capixaba sabe tratar bem os mineiros. E mineiro quando vê um mineiro em um outro Estado vira a maior festa. Foi o que fizemos (risos).


Ícaro Vieira



quarta-feira, 7 de janeiro de 2009