Já sofri de teimosia, medo de segunda e bronquite
aguda. Já torci por um time e mudei na cara mais dura. Já provei, já bebi, já
fumei, viajei, beijei e até comi. Já iludi, assumi, afirmei, soneguei, me fodi.
Já tive grana, já perdi, já tive educação e já desaprendi. Já fui vegetariano,
comi muita carne, uivei para a lua e hoje prefiro o sol da tarde. Já escutei Ozzy
e um pouco de mambo, já preferi a Índia e hoje me amarro num tango. Já fui
atleta, já fui obeso, tive carro, já andei de camelo. Já mandei meu presidente
pra cucuia, fiz dedinho e mandei enfiar na bunda. Já andei de terno e mal arrumado,
já fui à missa muitas vezes obrigado. Já fui padre, fui endiabrado, milhares de
vezes tentei ser amável. Já tive medo, já fui corajoso, já fui otário e também
bom moço. Já fingi um sorriso para manter meu salário, já chamei meu chefe de palhaço.
Já fui metódico e simpático, já fui fanático e também pragmático. Já fui
falante, já fui calado, já tive cabelo grande e raspado. Já fui rebelde,
apático, carente, amado. Já fui careta e também porra louca, já tive diploma e
também já fui trouxa. Já fui canalha, já fui covarde, já fui amante e também enganado.
Já louvei Deus, já fui ateu, já fui burguês, já fui plebeu. Já fui liberal, já
oprimi, gostei de Dalai Lama e bombas explodi. Já fui mentiroso, já fui sincero
e paguei caro por ser muito honesto. Fui poeta, fui escritor, fui fotógrafo e
também ator. Já fui sangue quente, já fui morno, já fui frio e também escroto. Fui
ético, fui etílico, já fui desordeiro, submisso, ordinário, cafona e já tive sonambulismo.
Não sei se tudo isso é verdade ou surrealismo, pois eu vivo em constante
transformação e não me lembro de tudo que eu vivo.
A realidade é que às vezes somos tudo isso e muito
mais, às vezes queremos ser, raramente conseguimos, outras vezes morremos sem
tentar ser o que realmente gostaríamos. Quase sempre temos medo e nos perguntamos
no que os outros irão pensar, ainda mais vivendo em uma sociedade hipócrita que
não aceita pessoas que fogem dos modelos pré-estabelecidos por sei lá quem. Quando
somos diferentes, ousados, provocativos, multifacetários, muitas vezes somos
atordoados por vozes que de dentro da gente questionam: o que fazer comigo? Sou
tão diferente, mudo de opinião e postura demasiadamente. Até ficamos
envergonhados sem saber o que fazer com nós mesmos, a verdade é que não há com
que se envergonhar, ridículo seria se fossemos para sempre os mesmos. Nós
erramos, aprendemos, a vida é uma enorme montanha russa onde superamos e decaímos
a todo instante. Você tem de se preocupar quando sempre se é o mesmo. Desencorajado,
apático, que definha aos poucos em uma vida pacata e sem graça, onde o medo de
errar e mudar não o deixa viver. É inevitável amadurecer, a vida por si só nos dá
esse prazer de transformação a todo instante, só não muda quem não quer ou
prefere agradar os outros a si mesmo. Erre, mude, tente. Eu prefiro ser essa
metamorfose ambulante do que ter a mesma e velha opinião formada sobre tudo. Eu
quero ser para sempre muitos em um só EU.
Icaro
Vieira
2 comentários:
Um grande escritor, sem sombra de dúvidas. Só não se esqueça dos vizinhos quando a fama chegar, pois seu sucesso é só questão de tempo. Abraço. Marleide.
Obrigado Marleide, fico muito grato pelo elogio. Retorne mais vezes no blog e se puder indique para seus amigos que gostam de leitura. Abraço.
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