terça-feira, 30 de outubro de 2007

Olhares distorcidos

Ela enlouqueceu calmamente, seus olhos encheram-se de um vazio
qualquer, sua mente dizia bobagens constantes e a sua voz rouca e
tremida de tantos remédios, dilacerava palavras sem nexo ao vento.
As lembranças de uma infância perdida pelo trabalho forçado eram
constantes, em seus sonhos tortos, o medo do pai alcoólatra e os
amantes da mãe que apareciam em sua casa nos horários em que
o genitor estava bebendo na rua, eram amargas cicatrizes que
rasgavam o seu peito.
Para fugir daquela vida ordinária e medonha, cedo começou a beber,

cedo começou a fumar, cedo começou a transar por dinheiro, cedo
sua vida se perdeu. Violência, abandono, depressão, desespero,
tentou-se matar exagerada vezes e sem sucesso alimentou sua
insensatez, sua vontade de ir para outro plano qualquer, fez a sua
vida entrar em um verdadeiro vazio.
Pulsos cortados, machucados pelo corpo, cabelos desgrenhados,

cheiro de álcool exalando pelos poros. Sua dor sangra só de olhar
e as esperanças foram roubadas quando ela era ainda jovem, um
futuro perdido, abandonado e estragado pela falta de apoio familiar.
Sua mãe foi morta pelo pai, ele morreu alguns meses depois no
presídio onde estava, os detentos não aceitam esse tipo de pessoa,
seus irmãos seguiram rumos distintos e ela virou um vegetal
alucinado. Para muitos, sua loucura não tem sentido, isso é fruto das
drogas, de uma vida desregrada, mas a verdade está escrita em
seus olhos azuis. A dor foi acumulada em seu corpo, a ausência de
amor, de acompanhamento familiar, a falta de carinho, de respostas,
de uma direção... Tudo isso entrou em erupção e seu mundo se
perdeu. Apesar dos pesares, ela sonha, acredita que as borboletas
são fadas e um dia irão levá-la para bem longe daqui. Também
acredito nisso, pessoas assim, puras de alma, têm um lugar
reservado em uma outra dimensão.



Ícaro Vieira

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Scissor Sisters

Todos nós sabemos que o mundo anda meio estranho, as opções sexuais não são mais as mesmas, o que era certo hoje é errado e vice-versa. Mas isso sempre existiu, só que o preconceito escancarado dos conservadores oprimiu todos os tipos de liberdade e hoje, um grande número de pessoas vêem isso como algo alienígena. Sem essa de preconceito, ainda mais no mundo musical, onde os artistas podem tudo. Falar de Rock´n Roll é falar de ambigüidade sexual, quem não se lembra do bigodão do Fred Mercury, do rebolado do maior cantor de todos os tempos, Mick Jagger, das feições de Cássia Eller e por ai vai tantos outros mitos da música.
Uma banda que levanta a bandeira “divirta-se e foda-se para o que os outros vão pensar” é o Scissor Sisters. Uma banda americana formada em 2001, cujo título Irmãs Tesouras, é uma gíria que se refere ao ato sexual entre lésbicas. A banda traz influências coloridas como B-52's, Pet Shop Boys e Elton John, não deixando escapar o amor a David Bowie e, quem diria, aos Bee Gees da fase disco. Aliás, os vocais quase sempre são no mesmo falsete dos irmãos Gibb.

“A Europa aplaudiu o Scissor Sisters primeiro e entendeu a mensagem. Mesmo que ela seja estranha, como em "Take Your Mamma Out", que conta a história de um sujeito que vai com sua mãe a uma boate gay.” Agora é a sua vez, aumente o volume do seu som e libere a mente de qualquer tipo de preconceito. Se você gosta de Rock, sabe muito bem do que eu estou falando. É só lembrar dos ícones do velho e bom Rock´n Roll, não existe 100% homem e nem 100% mulher.


Take Your Mama (tradução)

Quando você cresce
Vive como um bom garoto deve
E sua mãe
Ama tanto o filhinho querido
Algo diferente
Todas as garotas parecem gostar de você
Porque você é bonito
Gosta de conversar e é divertido

Mas agora sua namorada sumiu
E na sua casa só há uma cama vazia
Todos querem saber do casamento
Não ouvirão uma palavra do que você fala

Vamos levar sua mãe pra sair a noite toda
Vamos mostrar pra ela como é
Vamos embebedá-la com champagne barato
Vamos deixar a diversão rolar solta
Se a musica não for boa, paciência
Vamos cantar junto de qualquer forma
Porque os dançarinos não ligam em New Orleans
Se sua gorjeta for boa

Faça isso
Leve sua mãe pra sair a noite toda
Então ela não terá duvida
De que estamos fazendo nosso melhor
Nós vamos fazer isso
Vamos levar sua mae pra sair a noite toda
Você pode ficar acordado porque já é um homem feito

É difícil
Viver como um bom garoto deve
No verão
Olhando as garotas passarem
Quando sua mãe
Ouviu o jeito que você esteve falando
Eu tentei lhe explicar
Mas tudo que ela fez foi chorar
Acabamos retardando a volta para casa
Usando roupas demais e usando baldes de colônia
É tão duro ver ruas numa área rural
Seus óculos no lixo
E seu Continental sendo rebocado







Ícaro Vieira

terça-feira, 23 de outubro de 2007

A vida é uma loucura

A vida é mesmo uma caixinha de surpresas e quando você acha que
vai tudo muito bem, pode desconfiar, algo estranho pode acontecer.
Ninguém sabe o fim de nossa história e a cada dia escrevemos um
novo capítulo sem saber quem serão os atores que participarão
desse curto drama (digo curto, porque a vida passa depressa demais).
Você já parou para pensar que no decorrer de um dia (apenas 24h)
podemos ir aos extremos? Felicidade e tristeza, rancor e amor, vida
e morte. A cada nova experiência, modificamos nosso jeito de ver a
vida e a vivência de cada segundo nos transforma em pessoas
melhores ou piores, humanas ou desumanas, honestas ou hipócritas.
Sou fascinado pelas malícias que a vida nos revela, mas juro que
algumas delas me da muito medo, repulsão, ojeriza. Depois do que
vivenciei nesses últimos dias, estou um pouco ansioso e preocupado,
para morrer basta estar vivo. Que frase simples, mas cheia de
significado. Somos seres que gostamos de acumular, tanto faz se é
material, bens de consumo, livros, tênis, cultura... Simplesmente
gostamos de TER qualquer coisa cada vez mais, mas o que adianta
ter isso tudo se amanhã você pode estar morto? Você nunca pensou
nisso? Eu até ontem também não, mas agora penso nisso a cada
instante. Me diz qual é o objetivo de acumular riquezas, sofrer por
bobagens, brigar por besteiras, não aproveitar cada instante se
amanhã você pode não estar aqui. O amanhã é incerto, cheio de
surpresas e não sabemos onde podemos parar, talvez em um quarto
de hotel, uma praia deserta, uma festa maravilhosa, um show de uma
banda inglesa no meio de uma floresta tropical ou talvez em uma
enfermaria de um hospital.
É impressionante saber que nós não valemos nada, estamos aqui com
saúde, cheios de disposição, comendo toneladas de gordura, bebendo
litros de refrigerantes, cerveja, trabalhando feito louco, fazendo uma
úlcera terrível crescer dentro de nós ou inflando a cabeça de stress até
o momento que não agüentamos mais e explodimos feito fogos de
artifício em pleno reveillon em Copacabana. Você corre para o hospital
mais próximo e fica um pouco tranqüilo por ter um plano de saúde da
melhor qualidade, mas o atendimento é lento, burocrático, você acha
que não vai agüentar, pensa nas piores possibilidades, acha que irá
definhar em uma cama, ligado por tubos e seringas, os médicos lhe
analisando, os enfermeiros lhe auxiliando e você começa a imaginar
o que vale sua vida. Um filme passa em sua cabeça em alta rotação,
você diz que vai mudar, nunca rezou, mas a partir desse dia você vira
um beato, esquece toda maldade que existe dentro de você, perdoa
quem sempre lhe ofendeu, vê que a vida é muito mais que trabalhar e
acumular dinheiro. É um absurdo, você paga os impostos em dia, mas
precisa ter um plano de saúde, já é ruim com ele, pior é ficar sem um.
O estado não lhe ajuda no momento em que você mais precisa, mas
isso pouco importa nesse momento de tensão, você quer salvar a sua
vida de qualquer maneira, não importa quanto isso vai custar.
E o pobre? Morre em um leito imundo, é assim no Brasil e nos países
de terceiro mundo. O dinheiro da saúde é desviado e a morte
escancara os dentes de felicidade por levar mais algumas vidas.
Esse texto não é para entrar em detalhes do governo do nosso país,
por isso vou encerar esse assunto agora.
Gostaria apenas de lhe dizer que viver é a melhor coisa do mundo, o
simples fato de existirmos é uma benção. Existem pessoas que estão
nessa vida como quadjuvantes, não estão vivos, apenas de olhos
abertos. É preciso saber viver, viver com intensidade cada segundo,
falar te amo, conhecer novas pessoas, ser feliz. A felicidade está
dentro de nós, ela é quem cuida da nossa saúde mental, espiritual
e corporal. A felicidade é a vitamina c para a nossa gripe ou a cura
para a nossa infelicidade. Viver com alegria, essa é a melhor coisa
do mundo. Se eu estivesse prestes a morrer e pudesse lhe dizer
uma última coisa, eu diria: VIVA de verdade.




Ícaro Vieira

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

O fim anuncia o novo

Como já é de costume, o silêncio da pós-despedida vem me
atormentar. Enquanto isso, o asfalto quente e o vento seco me
fazem companhia, tentam levar minha dor para bem longe e
como num passe de mágica parece que acordei em um outro
lugar. É a velocidade da máquina automobilística e a paisagem
infinita que se dobram nas montanhas e o horizonte azul que me
fazem esquecer de tudo. O poder de dirigir é um prazer
incomparável, melhor é poder sumir e voltar depois de alguns
dias, meses, anos, com muita história para contar.
Eles adoram a minha imaginação fértil, um jeito particular de ver
as situações do cotidiano e sabe de uma coisa? Eu amo cada palavra
que eles dizem e cada sorriso que eles esboçam. Entorpeço-me
com a troca de experiências e carinho, afinal são gerações
distintas que se unem em um círculo e debatem as tristezas e
felicidades que envolvem as nossas vidas.

Estou indo embora, as imaginações e as lembranças aceleram
a minha estufa pensante e cada momento desse maravilhoso
encontro, adoçaram a minha apatia momentânea, me fazendo
sentir um pouco melhor. Eu sei que tudo um dia acaba, que a
vida retorna a sua luta, que as feridas se cicatrizam, mas sangrar
é inevitável. Tudo chega ao fim, mas mesmo assim não me
conformo com o ponto final. O fim anuncia o começo de uma nova
fase que em um determinado momento chegará ao fim outra vez.
Isso significa renovação, metamorfose, o nascimento de algo
diferente, inovador.

No retrovisor os momentos únicos ficam para trás e alimentam
todo o amor que me acolheu. Vou traçando um novo rumo em
direção ao sol para depois voltar e encontrar um lugar sossegado,
embaixo de um pé de jabuticaba, com os pássaros a minha volta
e a cachoeira seguindo o seu curso até o final do rio.

Um dia eu volto para conversar mais um pouco, na tranqüilidade
daquele
lugar mágico que me aceitou com todas as imperfeições.
Quero escrever
uma nova história para contarmos para a próxima
geração e afirmarmos
que fomos felizes, apesar de todos os
defeitos e maldades que estão
destruindo o nosso mundo.
O final é melancólico, triste, doloroso, mas começar uma nova
fase é
excitante. Adoro misturar nostalgia e felicidade, isso é
a energia perfeita
que me alimenta e faz a minha vida seguir
em frente a todo vapor.




Ícaro Vieira

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

The Kooks

Dizem que o estilo musical que você está escutando no atual momento de sua vida é referente ao seu estado de espírito. Acho que isso é uma verdade incontestável, se alguém discorda, me prove o contrário. Se você está alegre, escuta canções que levantam o seu astral, se você está triste, o gênero down é a melhor companhia. Mas vamos deixar de conversa fiada e ir ao ponto que interessa, como sexta-feira representa o fim de uma semana tumultuada, cheia de trabalho e desprazeres políticos, venho com uma sugestão musical interessante. Para celebrar com alegria o seu final de semana, apresento-lhe mais uma banda britânica (os ingleses são insuperáveis no quesito rock) chamada The Kooks. Formada em Brighton em 2004, a banda é composta pelo vocalista Luke Pritchard, o guitarrista Hugh Harris, o baixista Max Rafferty e Paul Garred na percussão. Seu álbum de estréia Inside In/Inside Out permaneceu mais da metade de 2006 no Top 20 do Reino Unido, tendo vendido mais de um milhão de cópias. Um som elétrico e acústico, violões e guitarras, baladas e ritmos dançantes, enfim, uma banda cheia de energia. Aumente o volume do seu pc, abra uma cerveja bem gelada e esqueça tudo.





Ícaro Vieira

terça-feira, 2 de outubro de 2007

In Perfeições

Ele ama a sua unha encravada, ama seu mau hálito matinal.
Morre de felicidade em apreciar todos os seus defeitos, sua falta
de sono, sua falta de paciência, seu tom alterado de falar.
Gosta de se relacionar com pessoas humanas, pessoas que
admitem seus erros, seus defeitos, suas imperfeições. Que não se
assustam com a deformação. Em sua humilde forma de ver a vida,
a busca pela beleza a qualquer custo é uma desgraça surreal que
atormenta e destrói a naturalidade das coisas. Cabelos crespos
sendo alisados, cabelos lisos se transformam em caracóis, lentes
azuis para olhos negros, bronzeamento artificial para pele branca,
seios de silicone, tira aqui, coloca ali. Quem disse que a mutação
não existe? Oficina da beleza em cada esquina e quem você
conhecia ontem não é a mesma amanhã. Não porque ela
amadureceu, não porque ela aprendeu com o tempo, mas porque
foi transformada a força, entrou numa forma e virou outra.
Ele adorava os seus peitos pequenos, sua boca carnuda, seu jeito
natural e simples de falar. Seus erros gramaticais, sua inteligência
longe de ser artificial. Parava tudo para vê-la dançar, sem essa de
passinhos ensaiados, ousada e despretensiosa. Ela é diferente,
ela era ela mesma, nada de clichês. Escuta Kings of Leon, enquanto
todos rebolavam a bunda ao som do Latino, toca violão e ama
acampar. Ela gosta de curtir a vida e não liga a mínima para o que os
outros vão dizer.
Vocês podem estar pensando que ela não tem vaidade. Ela tem sim,
mas não essa doença que a gente vê por ai, escravas da beleza. Se
arruma para sair com as amigas, escova os dentes, perfumada das
pontas do cabelo até a unha do pé, corpo escultural (nada é
modificado), ela sabe ser ela mesma e não sofre por não ter os olhos
azuis e peitos de borracha. E sabe de uma coisa, ele adora o seu
jeito, cheio de imperfeições, exatamente como a nossa vida é.
Imperfeições fazem parte de tudo, mas queremos modificar a
realidade e criar um padrão estereotipado da perfeição.
Eles dormiram juntos mais uma vez e ele como sempre, rezou para
a noite passar rápido, só para ver os seus olhinhos inchados, sua
voz rouca e sentir o seu mau hálito matinal.
Ele adora imperfeições.



Ícaro Vieira