sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O Velho e a Criança

Lá vem ele, caminhando lentamente. Dificuldade estampada em cada passo lento. Auxiliado pela enfermeira recém contratada, arrasta-se em meio aos carros apressados. Passeio matinal faz bem para os ossos, dizia o seu médico geriatria. Cabelos ralos, dentes são solitários em sua boca, fios brancos. A pele enrugada anuncia a vida sofrida e os muitos anos que passou para chegar até aqui. Os ruídos da cidade já soam baixo demais, as cores vivas das ruas ficam lavadas aos seus olhos. Nada pra fazer, marasmo, tédio. Ele espera a sua hora chegar e nada chama a sua atenção como antigamente. Não a nada mais para se descobrir. Tudo é velho.

Apesar de ter um dia inteiro pela frente, sabe como ninguém que o tempo é curto. O fim da linha se aproxima a cada instante e mesmo assim ele sorri para o que acaba de ver. Do outro lado do passeio observa atentamente, porém desfocado pela catarata que o incomoda a alguns anos, uma mãe carregando o seu filho. Uma criança que acabara de chegar ao mundo. Ainda não sabia andar, dependia da mãe para se alimentar e locomover.

Não apresentava dentes e com o dedo na boca massageava a sua gengiva. Cabelos finos e poucos, olhos arregalados. Apenas resmungava e emitia sons distorcidos, finos gritos que eram traduzidos pela mãe.

O velho e a criança. Pareciam vidas idênticas, apesar de uma simples diferença. Singela para uns, mas no fundo crucial. A vida chegava de um lado, a morte apertava do outro.

A linda criança estava inquieta, observava tudo com total atenção. Despertava para qualquer coisa que acontecia a sua volta. Escutava tão bem em alto e stéreo som. Enxergava cores novas, vivas, que iluminavam o que estava a sua volta. Tudo era novo. O mundo nascia para ela a alguns dias. Um pássaro sem penas que queria amadurecer e voar. Vôos altos e emocionantes.

Em alguns segundos eles se entreolharam e sorriram um riso verdadeiro. E no fundo sabiam que ali estavam duas gerações. Uma iria embora para dar lugar à outra. O velho homem estava feliz por ter realizado a sua missão e abençoava no olhar um novo ser que habitava a terra. A nova criatura divina iria fazer agora a sua parte e dar seqüência a magnífica arte da vida.

A mãe seguiu seu rumo sem perceber o diálogo existente entre os dois. Apenas quem acaba de chegar e quem está pronto para ir é capaz de assimilar.

O velho olhou para trás e disse baixo, uma espécie de resmungo:

- Seja bem-vindo. Estou aqui de passagem.


Ícaro Vieira

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