sexta-feira, 6 de julho de 2007

No país da maracutaia

Um jovem empresário bem sucedido de uma importante cidade
metropolitana, tem um surto de loucura espiritual e decide ir até
uma pequena aldeia isolada do resto do mundo (retiros espirituais
estão na moda). Com o intuito de absolver energias positivas e lavar
a alma com a mais pura inocência dos índios Inocentys, ele pega o
seu jato particular e trilha em direção ao que no passado muito
distante era considerado o paraíso.
Estressado pela alta do dólar, queda da bolsa, superávit, taxa dos
juros entre outros problemas da conturbada vida moderna ele sonha
em eliminar pelos poros a falta de sono que o atordoa e dormir um
sono tranqüilo.
Chegando ao destino previsto, assusta toda a aldeia com o barulho
do seu avião; nunca se tinha visto algo tão medonho por aquelas
redondezas, o que voa por ali são os Deuses e os pássaros.
Depois de algumas horas, já vestido a caráter, ou melhor, quase nu
como os outros índios, as curiosidades de ambas as partes começam
a aflorar e agitar a natureza humana. Diálogos e aproximações
começam a aflorar.
- O que vocês fazem aqui o dia inteiro?
- Mim caça, pesca, nada, agradece aos céus, faz oca, amor...
- Só isso? Vocês não trabalham, vão ao shopping, compram carros?
- Mim não sabe o que é isso, é de comer?
- Isso é o paraíso que conquistamos através do dinheiro.
- Dinheiro? O que é dinheiro?
- Quando você trabalha é recompensado com dinheiro. Dinheiro é
tudo, sem dinheiro não podemos viver.
- Mim não ganha dinheiro, mas vive. Temos muita comida e alegria e
a cada manhã o sol vem nos abençoar.
- Isso está por fora. Vocês não pensam em proporções maiores? Lá
na cidade nós acumulamos mais e mais dinheiro, passamos por cima
de qualquer um que queira atrapalhar o nosso caminho. Matamos por
dinheiro, corrompemos, usurpamos...
- Matar uns aos outros?
- É...
- Mim só mata para comer, matamos animais para alimentar nossas
famílias. Nunca matamos nossos irmãos.
- Vale tudo meu amigo. Vivemos em uma selva de pedra.
O capitalismo é assim, fazemos guerra, destruímos a vida de muitos
povos para subirmos ao poder e dominarmos o mundo.
- Mim acha vocês violentos, maus, esquisitos.
- Esquisitos são vocês. Povinho mais sem graça, acha que viver nessa
monotonia é o Jardim do Éden. Lá nós compramos tudo, pagamos
vadias para nos dar prazer, pagamos mortos de fome para vigiarem o
nosso carro, homens para lutar como animais em arenas e
compramos até Deus. É só pedir ao padre para rezar uma missa em
nome das nossas almas que ele reza. Viu como é fácil?
- Mim não compreende. Vocês não têm amigos, fé, amor, compaixão?
- Não temos tempo para isso, o mercado é concorrido. Se estivermos
sozinhos, pagamos por uma companhia. Mudando de assunto quais
são os seus planos, projetos, ambições?
- Mim sonha com o amanhã, com as chuvas regando e florindo nossos
jardins, com os pássaros cantando, com nossas famílias saudáveis,
com a multiplicação do nosso povo, com a paz, com a sabedoria e
união de todas as raças.
- Deixa eu te falar, estou precisando de mão-de-obra nas minhas
organizações e acho que vocês poderiam ser úteis. Trabalho em troca
de Internet, dólares e carros. O que acha?
- Mim não quer.
- Aumento a proposta. Mulheres, avião, poder...
- Homem branco já ouviu falar em palavra, respeito, amor, ética,
transparência, moral, bons costumes, fé? A nossa felicidade não
depende de bens materiais e sim do amor que entregamos e
recebemos em proporções surpreendentes. A honra e o respeito
fazem a minha alma ser superior e por esse motivo tenho um sono
tranqüilo. Vai com os Deuses da piedade e até mais.
- Povo estranho! Nunca vi ninguém que não queria o poder, que não
queira ganhar vantagem em tudo. Vocês são amaldiçoados ou
doentes mentais? Acho melhor ir embora e procurar o meu médico.
Talvez uma garrafa de uísque importado e uma dose cavalar de
alguns comprimidos me devolvam o sono perdido. Adeus povo
estúpido.
- Por favor, homem branco. Só não se esqueça de passar na recepção
e acertar a sua conta. Aceitamos cartões de todos os tipos e
dividimos em até 3 vezes sem juros.


Ainda bem que ele foi embora, estava cansado de falar MIM vai, MIM
come, MIM pesca. Mais um otário caiu na nossa.

Hahahaha ele se acha esperto. Aqui é assim, é um passando a perna
no outro.


Enquanto isso...

Chefe, já podemos tirar essa fantasia ridícula de índio?

Moral da história = Simplesmente Capitalismo Selvagem.



Ícaro Vieira

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