sábado, 4 de agosto de 2007

A majestade quer um feudo

Todos estão comentando. Os sussurros ultrapassaram as montanhas
que cercam o divino e calmo vilarejo. A repercussão do novo
acontecimento tirou a morbidez da civilização. A população
encontra-se boquiaberta e ludibriada sem entender os reais motivos.
Pequena por natureza, a vila é composta por humildes camponeses,
vidas pacatas que ganham o pão em imensos campos verdes,
abstidos de guerras, de conflitos, de assassinatos e de grandes
problemas. Um lugar em que as pessoas desconhecem a inveja, a
arrogância, a corrupção, a maldade e a ganância. Apenas as imensas
cordilheiras circundam o vilarejo e protegem os camponeses de todo
mal. As crianças são criadas soltas, livres, brincando entre as matas
e rios que cortam uma terra maravilhosa abençoada por Deus.
Mas um monstruoso empreendimento, inovador, moderno e visionário
criado pela alta cúpula oriunda de outras bandas, já está em plena
ascensão e acabará com a tranqüilidade de todos que moram na
região. O medo e a angústia tomam conta de cada humilde família que
desconhece o futuro e os impactos do novo projeto arquitetônico.
Impossível acreditar, um lugar tão tranqüilo, longe da invasão dos
bárbaros, dos vikings, da confusão do dia-a-dia dos grandes reinos,
da exploração da nobreza, dos impostos da coroa e de tantos outros
problemas vivenciados pelos grandes impérios agora vai receber
uma obra que isolará as duas classes econômicas (camponeses e
falsos nobres), fazendo fomentar os piores sentimentos humanos, até
então desconhecidos pelos nativos daquele lugar. Tudo para
“proteger” as famílias imperiais.
Tornou-se incontrolável a apreensão e é inevitável não comentar a
grande barbaridade que irá repartir o povoado. Os nativos comentam
entre si que os impactos da construção podem ser piores que a peste
negra, talvez a destruição de toda a humanidade. Ela mudará toda
estrutura social do vilarejo, além do estilo de vida que não será mais o
mesmo. Os camponeses farão de tudo para conquistarem um lugar no
requisitado espaço construído, onde nascerá a inveja, a avareza, a
maldade e o ódio que alimentará os corações dos excluídos, daqueles
que não poderão viver dentro da redoma de cimento.
Querem tirar a liberdade deles, querem isolar os que podem dos que
não podem, dos que tem dinheiro dos que não tem. Muro de Berlim,
muro entre a Palestina e Israel, duas Coréias, muro entre Paquistão e
Índia, agora mais um muro aqui. Turistas visitam a vila devido à
liberdade, a não existência de furtos, de neuroses, de concreto, de
fumaça, de indústrias entre outros sentimentos e invenções presentes
nos reinos metropolitanos. Lá é preciso viver atrás das grades, na vila
não. Os camponeses podem entrar nas casas dos vizinhos sem bater
nas portas, o quintal de um é o quintal do outro, pequenos barracos
que traduzem o espírito de união e irmandade, agora serão separados
por uma cerca de concreto. Um feudo particular.
Os comentários são demasiados e dizem que tudo isso é obra da
burguesia que quer a todo custo virar nobreza e deseja tomar o
vilarejo, expulsando assim, os camponeses para cercar uma vasta
porção de terra com altos muros impedindo uma manifestação em
massa e uma possível invasão. Outros dizem que é por pura vaidade.
Opiniões diversas murmuram por cada canto e fazem nascer teorias
sobre o surgimento de um antigo sistema que dominou a Europa há
muitos séculos atrás e agora será ressuscitado.
O clero e a nobreza aprovam com afeição o projeto, convincentes de
que está mais do que na hora de “modernizar” o vilarejo. “O futuro
caminha com passos largos e será uma graça divina ter algo
grandioso, forte, magistral e imponente. Precisamos de proteção” -
diz um membro do clero. E completa dizendo que nas metrópoles
esse sistema é muito usado, um luxo para quem deseja ter
privacidade e segurança.
A majestade quer um feudo. Querem as atenções para eles, querem
grandes muros e soldados a escolta, carruagens blindadas. Falsos
nobres, burgueses que saíram de baixo e querem viver por cima,
comendo frango e divertindo-se com os bobos da corte.
Querem isolar o lado pobre do lado da riqueza. Estão com medo das
invasões dos bárbaros? Alguns chamam de condomínio fechado,
mas você há de concordar que isso é um feudo. Proteção própria,
linguajar próprio, praça de lazer própria, amigos próprios e um rei
para comandar. Você tem outro nome para isso? F-E-U-D-O.
Querem trazer a paranóia das capitais para cá, querem copiar algo
que é uma vergonha para o país. Se o governo não lhes dão proteção,
temos que pagar uma particular. Querem criar novos problemas,
fazer o sossego da vila entrar em um tremendo inferno astral. Atrair a
criminalidade, os olhares dos marginais que tentarão descobrir a
qualquer custo o que existe por trás dos muros.
É chique morar em um feudo. Proteção, status, gabarito...
O que posso dizer?
A burguesia fede, mas tem dinheiro para comprar perfume.



Ícaro Vieira

9 comentários:

Paula Signorini disse...

Oi!
Valeu pela visita no Rastro de Carbono! Te adicionarei como blog parceiro ;)! Que bom que vc gostou! Criticas sao sempre bem vindas lah, viu?

Década de 50 disse...

Ícaro, prezado,

Parabéns pelo texto e, principalmente, pela concatenação das idéias, fato raro hoje em dia em escritos de pessoas jovens.

Considero que "A majestade quer um feudo" é basicamente a continuação teórica do texto anteriormente postado, onde você se mostra perplexo diante da eterna luta entre a barbárie e a civilização, mostrando-se pessimista diante da constatação de que a primeira parece estar ganhando a guerra.

Na realidade, o ser humano não gosta - apenas a suporta - da civilização, considerando-se tolhido por ela na manifestação de seus mais baixos instintos. Não é à toa que, em várias oportunidades, a barbárie toma conta dos noticiários, cujo exemplo mais notório foi o índio Galdino sendo queimado vivo para a diversão de jovens de sua idade em Brasília.

Não obstante, porém, suas imperfeições, a civilização que temos é essa, e cabe a nós, que sabemos que ela é o único freio aos nossos instintos mais primitivos,lutar para, pelo menos, aperfeiçoá-la, porquanto, dominada pelo capitalismo triunfante, é praticamente impossível, neste momento histórico, lhe dar fim. Estamos vivenciando o fim das utopias e a ignorância grassa por toda a parte.

Interessante é que seu texto guarda enorme similaridade com um romance de J. J. Veiga - que, tenho certeza, você não leu - chamado "A Hora dos Ruminantes", em que ele narra a história de uma secreta fábrica que é construída em um vilarejo, com conseqüências terríveis para os habitantes da Vila.

No entanto, o que achei mais importante no "Majestade" é que você deixa claro que o capitalismo é um mal em si: onde ele chega, a desgraça, em suas mais diversas manifestações - a corrupção, a maldade, a ganância etc. - vem junto. É a peste a qual você alude.

Mas, apesar desta aparente vitória do capitalismo, a história não pára. Virá um tempo em que os povos descobrirão que será necessário acabar com essa praga, que domina o mundo em proveito próprio, antes que o mundo seja destruído por ele.

Ainda tenho a esperança de um mundo sem exploradores e explorados para que não aconteça fato semelhante ao que você narra em seu texto, cabendo aos jovens dar prosseguimento a esta luta para aperfeiçoar a atual civilização, fruto de tanto descontentamento.

Parabéns, mais uma vez, e até uma próxima.

José Henrique Fialho.@

Pedro Américo disse...

fala ícaro tudo beleza velho?

aki é o Pedro, que estudou com a rafa..tah lembrado?

poo
do caralhoo oo blog.
ehehe.

como voce tah? ja formou?

um abraço velho

Pedro Américo disse...

vou adicionar seu blog nos favoritos

Pedro Américo disse...

cara, vou começar o 2° período quarta -feira agora..

to gostando pra caralho..
tb to trabalhando numa agencia, a agencia aki tem a area de publicidade e de eventos..

por enqto to trabalhando com eventos..
espero pular de sala.
auhahuahuahu

pois é bixo..oo livro é do caralho, só nao sei se é fácil de achar, mto antigo..

eheh

um abraço cara

valeu.

Pedro Américo disse...

putz velho
eu já gostava de vc

agora eu sou seu fã

ahuahuahuhua

redatores rock's

velho, adimiro as propagandas de hj também, pq acho ki as coisas atualizam..e o photoshop tah aí..

mais pra mim, me surpreende mais o poder da palavra como eu disse..
e ninguem sabia usar esse poder
como os monstros de antigamente.

Bill Bernbach que o diga.

eu tenho mta vontade de trabalhar como redator.

cara um abraço..

ps.: se quiser dar umas dicas la pra seção Grandes Propagandas, fique a vontade velho.

Lia Gomes disse...

Oi Ícaro.
Eu adorei o que vc postou no meu blog, fiquei muito feliz mesmo em saber que não sou louca, não estou andando na mão errada.
Outro dia passo por aqui para conversar melhor com vc sobre isso.
Beijo grande
Lia

Pedro Américo disse...

cara
fico extremamente lisonjeado de saber disso.

realmente cara tem pessoas que tem medo do desconhecido..mas, igual eu falei..

o que seria de nós, sem o desconhecido?

bixo, cara que bom que gostou...to treinando ainda para escrever textos desse tipo..na verdade foi o primeiro..mas acho que consegui passar a mensagem.

velho
obrigado mesmo.

um abraço.

Anônimo disse...

Já passei aqui algumas vezes, mas sempre meio com pressa, e confesso que me surpreendi com a profundidade de seus textos.
Parabéns!!
Saudades de conversar com vc..