terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Complexo a arte de pensar

Logo pela manhã deparei com a minha face amarrotada em frente ao espelho. Cabelos desgrenhados, olhos embaçados, corpo mole e a mente fora do lugar. Bem cedo vieram pensamentos bambos, frouxos, tentando achar um caminho para chegar a uma conclusão, tentando desenvolver um paradoxo entre viver e morrer, sentir e anestesiar, amar e sofrer, simplesmente querendo entender o motivo de existir. Confusão em forma de pensamentos que fazem os questionamentos virem à tona.
Perdi-me por alguns minutos com o olhar fixo no meu EU que estava do outro lado do espelho, olhando no fundo dos meus olhos sem entender a vida e os porquês que rondam a minha mente insana. Considerei essa atitude em frente ao meu espelho do banheiro uma grande regressão sem escrúpulos, querendo curar com ilusões a minha alma cheia de perguntas, a La Dr. Fritz.
Vinte e poucos anos passaram-se em um piscar de olhos e voltei até minha infância, descobrindo muitos eus que habitaram e ainda habitam o meu corpo.
Enquanto o chuveiro tentava aquecer a água fria que descia ralo abaixo, que posteriormente lavaria os meus questionamentos inoportunos, as razões confundiam-se com as emoções e eu já não sabia quem eu era. Doce e amargo, manso e selvagem, feroz e covarde, sonhador e realista, sábio e analfabeto. Multifaces que rondam a minha vida, transformando-a em um grande teatro cheio de novos atores a cada dia. Quem eu sou? A pergunta estalava em minha cabeça como a ressaca de quarta-feira de cinzas.
Sempre seguro de tudo, a incerteza veio me ver sem avisar, uma visita inesperada, indesejada, atordoante. Logo eu, sempre certo dos meus atos, de onde eu vim e para onde vou, agora em frente ao espelho tendo um minuto com o meu Freud espelhado, buscando algo a mais por existir. Tantas coisas que não fiz, amigos que perdi, amores que não vivi, sentimentos que reprimi, obsessões que senti, momentos que não curti. Tudo transpunha em minha mente como uma enxurrada que lava a rua em meio à tempestade, tempestade de lembranças que ao mesmo tempo corta e afaga o meu coração.
Abdiquei da minha pontualidade britânica e somente hoje não iria chegar exatamente na hora ao serviço. Preferi pensar mais um pouco nas atitudes e voltas que a minha vida já deu, uma montanha russa de indagações e porquês. Pensamentos que não me tiraram do lugar, apenas remoeram as incompreensões, as coisas da vida que gostaria de voltar atrás e entender.
Entender ? Temos a mania de querer entender tudo o que acontece. Existem coisas que não têm explicações, elas simplesmente (ou melhor, complicadamente) são como são. Entendeu? Não? Pois é, faz parte da vida.
Não conhecemos os impulsos de nossas atitudes, o que pode acontecer no próximo segundo. O que é seguro hoje pode ser incerto amanhã, nossas atitudes mudam constantemente e o que você considera previsível pode lhe surpreender a qualquer hora. A vida é um palco onde o elenco nunca é o mesmo e a próxima cena está para acontecer. Somos muitos dentro de um só, milhares. Mas se for parar para pensar o que nos trouxe até aqui, você nunca irá sair do lugar e deixará de viver as próximas ações que a vida lhe guarda, simplesmente enlouquecerá. Não tente imaginar o que ocorrerá com sua carreira profissional, se você será rico, pobre, alcoólatra, viciado, importante, bem sucedido, se terá filhos, se morrerá cedo... Nenhum dia é igual ao outro e felizmente não é possível prever o futuro. Isso é o que me faz viver, a surpresa me alimenta.
Mas a obsessão em compreender o porquê de tudo nós decepcionarmos com a falta de respostas. É preciso apenas entender que a vida é um reflexo de suas ações e um dia tudo entra no lugar certo, no eixo.
Depois de muitos minutos que se transformaram em horas, eu estava lá, boquiaberto em frente ao meu psiquiatra. E de tanto pensar e não compreender, a filosofia veio a calhar em uma única frase. Só sei que nada sabemos. Simplesmente viva, algumas respostas virão com o tempo, outras ficarão indecifráveis pelo resto da vida. Pensar muito enlouquece, mas o que interessa? Já ouvi falar que de perto ninguém é normal.


Ícaro Vieira

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